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Dra Cleonir de Moraes Lui Beck

Zika vírus e microcefalia: mitos e verdades


Zika vírus mitos e verdades

Diversos áudios têm circulado em grupos de Whatsapp mencionando a possibilidade e a existência de crianças menores de 7 anos e idosos com sintomas neurológicos decorrentes do vírus zika. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Associação Médica Brasileira (AMB) esclarecem que essas informações não têm fundamentação científica. Até o momento, não há qualquer registro de crianças ou idosos apresentando sintomatologias neurológicas relacionadas ao vírus zika. É importante também esclarecer que, assim como outros vírus, a exemplo de varicela, enterovírus e herpes, o zika poderia causar, em pequeno percentual, complicações clínicas e neurológicas em adultos e crianças, sem distinção de idade. Quanto ao vetor, até o momento, não existem estudos científicos que apontem para o envolvimento de outras espécies de mosquitos além do Aedes aegypti na transmissão da doença no Brasil.

Microcefalia é definida como a circunferência occipitofrontal da cabeça (COF) abaixo do terceiro percentil ou mais do que dois desvios padrões (DP) abaixo da média para o sexo, idade e etinia. A microcefalia está associada com a redução no volume cerebral e muitas vezes deficiência intelectual e/ou motora. A patogênese da microcefalia é heterogêneo, variando de causas genéticas a fatores ambientais que podem atuar sobre os processos de desenvolvimento que influenciam o tamanho do cérebro. Qualquer condição que afeta os fatores envolvidos no crescimento do cérebro pode, assim, induzir microcefalia, com alterações cerebrais e/ou intelectuais.

Por tratar-se de uma doença recente e que ainda não foi suficientemente estudada pelos pesquisadores, irão surgir muitas dúvidas e perguntas em relação à zika, bem como boatos e informações desencontradas, especialmente nas mídias sociais. É importante, num momento como este, que a população busque informações de fontes seguras e confiáveis.

Apesar de existirem casos de zika vírus no continente africano ainda na década de 40 e, mais recentemente, na Polinésia Francesa, o Brasil foi o primeiro país a observar uma relação entre a microcefalia e a infecção, explicou a presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Dra. Lavínia Schüler-Faccini, em entrevista exclusiva ao site da AMB.

1) Como a epidemia chegou ao Brasil? Acredita-se que ela tenha chegado em 2014 e foi detectada somente no segundo semestre daquele ano. As possibilidades são de que o vírus tenha entrado com torcedores estrangeiros durante a Copa do Mundo ou com uma equipe de Remo da Polinésia Francesa, que esteve em um campeonato no Brasil. A epidemia começou no Nordeste, no início de 2015. Isso explicaria porque agora vemos maior número de casos de microcefalia naquela região.

2) O que é a microcefalia? A microcefalia é mais um sinal clínico do que uma doença em si, e mostra que houve uma lesão cerebral no feto que levou a cabeça dele a ficar menor. Essas lesões podem ocorrer tanto por fatores genéticos quanto ambientais, como uso de álcool e outras infecções (por exemplo, sífilis e rubéola, erradicada no Brasil). Não que não existisse microcefalia antes, mas em curto espaço de tempo os casos começaram a aparecer em um número muito maior.

3) Existem outras alterações no feto que também possam ser causadas pelo vírus? Sim. A presença de alterações em tomografias ou ultrassonografias do cérebro, como pequenos pontos de calcificações, o que não é normal. Essas calcificações são muito características em outros tipos de infecções durante a gravidez.

4) Que dados a classe médica possui sobre os casos de microcefalia associada à presença do zika vírus em outros países? Na África, não temos nenhum dado sobre má formação, pois nos países onde o vírus prevalece, como Nigéria e Uganda, a mortalidade infantil é muito alta e falta documentação básica como registro de nascimento. Mesmo no Brasil, até pouco tempo atrás, muitas crianças não eram nem registradas. Na Polinésia Francesa, que é um território dependente da França, a interrupção da gestação é legal, diferentemente do Brasil. Lá, não se observou alterações no nascimento de bebês, entretanto, nos ultrassons durante a gravidez apareceram alterações do cérebro muito parecidas com as que observamos agora. Deduzimos que a maioria dessas gestações deva ter sido interrompida.

5) Como é feita a declaração de nascido vivo, onde constam dados sobre má formação, no Brasil? No Brasil temos uma declaração de nascido vivo onde consta a má formação. Podemos comparar as frequências aqui. O que observamos é que muitas vezes a declaração de nascido vivo não é preenchida com estes dados e temos um sub-registro na maioria dos Estados. Esperamos que com o alerta sobre microcefalia agora, os profissionais de saúde fiquem alertas sobre a importância de termos as estatísticas confiáveis.

6) A presença do vírus no líquido amniótico de mulheres grávidas justifica uma mutação genética no feto que explique a microcefalia? Não se trata de uma mutação genética, mas, sim, de uma ação direta nas células em desenvolvimento do embrião. O vírus para se dividir precisa de toda a estrutura da célula do hospedeiro, o que causa a lesão. Se esse bebê com microcefalia chegar à fase adulta e tiver filhos, o problema não será transmitido de maneira hereditária.

7) Por que a dengue e a febre chikungunya, que são transmitidas pelo mesmo mosquito, não estão associadas a nenhum problema de má formação do feto? Ainda não sabemos por que alguns vírus causam anomalias e outros não. A dengue e a chikungunya são vírus da mesma família (flavivírus) e estão há mais tempo no Brasil, mas nunca se observou nenhuma diferença nas crianças, ao nascer, como microcefalia, por exemplo.

8) Todas as mulheres grávidas que foram infectadas pelo zika vírus tiveram bebês com microcefalia? Não, somente uma parte das mulheres. Os dados neste curto espaço de tempo desde a detecção da epidemia de microcefalia ainda são insuficientes para sabermos a proporção entre gestantes infectadas e recém-nascidos com microcefalia.

9) A gravidade das lesões causadas no feto pelo zika vírus pode variar conforme o período da gestação? Alguns bebês nascem mais gravemente afetados e outros menos, mas isso não parece ter relação com a gravidade da doença da mãe. Algumas tiveram quadros virais muito leves e as crianças sofreram danos cerebrais graves. Percebemos que nas gestantes infectadas pelo vírus no segundo e no terceiro trimestre de gravidez os danos tendem a ser mais leves. Entretanto, não podemos dizer que não há mais risco de má formação neste período.

10) Há uma rede de boatos que diz que as vacinas de rubéola importadas de Cuba poderiam gerar algum tipo de má formação em bebês. Essa informação procede? Não. O Brasil foi considerado erradicado por rubéola. Não temos casos de rubéola congênita há muitos anos. Na época da campanha de vacinação para todas as mulheres em idade reprodutiva, em 2002, acompanhamos em parceria com a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul mulheres em Porto Alegre que não sabiam que estavam grávidas quando tomaram vacina, e em mais de cem gestantes acompanhadas, nenhuma teve bebê com microcefalia ou com síndrome de rubéola fetal.

11) O vírus pode trazer problemas neurológicos para crianças ou idosos? Não existe, até o momento, em nosso conhecimento, nenhum relato de caso de encefalite relacionado à infecção por zika vírus pós-natal. Existe um número muito pequeno de casos de complicação neurológica de Guillain-Barré, mas isso não está relacionado à idade do paciente e trata-se ainda de um número muito pequeno de casos.

12) O que é a síndrome de Guillain-Barré? É uma doença muito associada a infecções de uma maneira geral. Não é uma ação do vírus diretamente, mas, sim, uma reação do sistema imune do indivíduo que passa a atacar o próprio organismo, o que chamamos de auto-imunidade. É raro e acontece em qualquer idade.

Fontes:

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